Basta saber sobre bondade, para ser bom? Sócrates e a crença que basta
por: Alexandre Gomes
O pressuposto básico da Ética de Sócrates – que basta saber o que é bondade para que se seja bom – pode parecer ingênuo no mundo de hoje, no qual já está profundamente gravado na nossa mente que só algum grau de coerção é capaz de evitar que o homem seja mau. Na sua época era uma noção perfeitamente coerente com o pensamento – ainda que não com a prática – da sociedade grega.
Antes dele não teria havido uma reflexão organizada sobre a ética e o “homem moral” a não ser o relativismo dos sofistas, neste sentido é inegável que ele é o “Pai da Ética. Contudo é preciso ponderar que desde períodos mais antigos havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual tão arraigada na mente grega que talvez tal reflexão não fosse necessária ou sequer capaz de ser concebida. Só a dissociação de ambas na decadência grega é que teriam, pela primeira vez, postulado a necessidade de alguma teoria que explicasse esta dualidade.
Ao contrário da posição de Will Durant, portanto, só a decadência dos gregos, a dissolução entre uma teoria que concebia a identidade entre o homem e o cidadão e uma prática na qual os valores morais significam pouco – cujo resultado é a hipocrisia denunciada pelos sofistas – é que tornaria Sócrates necessário.
É com os sofistas que Sócrates dialoga, em um esforço para refutar seu relativismo moral cuja validação, sabe ele, significaria o fim do “espírito grego”. O grande mérito de Sócrates é enfrentar de forma virulenta a hipocrisia da sociedade ateniense cuja resposta aos sofistas era apenas a reafirmação insincera dos velhos valores. Sócrates defende a identidade entre os interesses individuais e os comunitários como único caminho para a felicidade, o que implica na valorização da bondade, da moderação dos apetites, na busca do conhecimento.
Como se explicaria, então, a dissociação real de ambos, se ao homem, como afirma Sócrates, basta saber o que é bom para que ele seja bom?
Os sofistas responderam a esta questão considerando que a Ética era mera convenção social, Sócrates os refuta, afirmando que a aparente dissociação se dá justamente porque os homens não sabem o que realmente é a bondade. Esta noção perdida em meio à vaidade e a hipocrisia dominante cegaria o homem que ao invés de lutar por objetivos reais confunde-se na névoa das convenções sociais. Já se sente aqui o embrião da noção que Platão consolidará e generalizará na sua Alegoria da Caverna.
Assim ao mesmo tempo Sócrates busca uma volta às velhas tradições da Cidadania, mas para isto precisa voltar-se contra estas próprias tradições. Ele aceita os princípios gerais definidos por aquelas tradições, mas apenas como um conceito, uma categoria a ser investigada pela mente humana, rejeitando tanto a forma pela qual estes valores são apreendidos como o conteúdo usualmente atribuído a eles.
Assim ele ao mesmo tempo se contrapõe aos sofistas e aos tradicionalistas, aos primeiros por negarem uma realidade objetiva e universal aos valores éticos, aos segundos por não serem capazes de compreender a essência destes valores. Ele próprio pensa na Ética não como uma especulação abstrata, mas como uma força transformadora, capaz de trazer a felicidade a ambos, Sociedade e Indivíduo – aliás a única forma de se obter esta felicidade.
À questão sobre o que é a Justiça – para dar um exemplo prático desta dupla oposição de Sócrates – os sofistas dizem que ela é a convenção estabelecida pelo mais forte para dominar o mais fraco, os tradicionalistas a entendem como o conjunto das instituições eu definem o “Império da Lei”. Sócrates diz que ambos estão certos e errados ao mesmo tempo. Os sofistas não estão errados porque a descrição deles corresponde ao estado de coisas na época, os tradicionalistas também não estão errados porque o princípio que teoricamente rege aquelas instituições seriam aqueles elevados valores da cidadania.
Mas ambos estão errados, porque a deterioração da justiça não significa que não exista objetivamente uma Justiça e que esta não seja uma meta a ser alcançada – ao contrário do que pensam os sofistas – e porque o que as pessoas entendem como justiça não é justiça de fato, apenas uma visão distorcida daquele conceito – ao contrário do que dizem os tradicionalistas. O problema ético, para Sócrates, é sobretudo uma questão de definição de termos.
Como chegar a estes valores absolutos que guiariam o homem? Sócrates não dá uma resposta absoluta, antes propõe um método para se chegar a resposta, demolindo as visões correntes, mostrando quão ilusórias eram as certezas, abalando as convicções arraigadas através de questionamentos implacáveis. Sócrates é um perguntador, disposto a arrancar as pessoas da vã certeza vaidosa na qual se encontram para fazê-las mergulhar mais profundamente em suas consciências em busca de respostas.
A elas ele não oferece nenhuma resposta, apenas a esperança que ao fim haverá respostas definitivas, mas que estas não podem ser compreendidas sem provocar uma mudança do próprio homem. A mais profunda garantia da sua ética é justamente este potencial auto-reconstrutivo da verdade quando vista sem os véus das aparências e vaidades, um conhecimento capaz de por si só, tornar o homem mais sábio e melhor.
A própria ausência de respostas em Sócrates é certamente parte deste método, ele teme que se der respostas aquela verdade acabará se cristalizando com o tempo e se transformando ela própria em mera convenção. O caminho teria de ser trilhado por cada um, enquanto indivíduo e ao mestre não caberia indicar o caminho, apenas advertir contra os atalhos perigosos.
Mas seus discípulos Platão e Aristóteles nem sempre serão capazes de compreender esta lição maior de seu mestre. Cada um deles irá interpretar a reflexão sobre os homens, a Moral e a Ética que Sócrates teve o mérito de trazer à baila como objeto de estudo segundo seus ideais de uma Cidade moralmente perfeita na qual houvesse uma harmonia entre os diversos interesses individuais e coletivos. E ambos dão respostas diametralmente opostas…
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ondade tem limite. No mundo de vocês, isto é inevitável. Vocês têm um jeito engraçado de se fazer de bons, porque vocês nem entendem o que é isso. Vocês tanto não entendem, que acham que agradando todo mundo, deixando as pessoas bem gratas, estão ganhando passagem pra evolução espiritual, sendo bons.
Mas se você não aprender a aceitar os seus limites – até onde vai sua vontade verdadeira de fazer o bem sem querer retorno – logo, logo, você vai estar vivendo em função de carregar o fardo dos outros, se é que já não está! Depois, vai dizer:
– Cansei de ser boa! Estou cansada de tanto ajudar os outros! Esse povo ingrato…
Vocês pensam que ser bom é assim?
Bondade não é pra dar canseira, não! Bondade é pra ser boa para quem recebe e pra quem dá, senão vira ruindade, com o tempo. Raiva. Mágoa. Desânimo. Aí, você vê que não era bondade, era tudo mentirinha.
Vocês ainda vão compreender o verdadeiro significado da bondade.
Por exemplo: Deus é muito bom, a bondade suprema. Será que sua vida está fácil? Não. Tem hora que se você pudesse, desistia de tudo, de tão dura que fica! Então, eu podia perguntar:
– Se Deus é bom, porque ele não me dá uma boa vida?
E que vida boa é essa que você queria? Uma vida de estagnação? Não é uma vida de aprendizado uma vida boa? Só que aprender tem um preço…
E no entanto, Deus é bom. Sem ter que sair correndo pra me atender.
Você pode ser bom, mas não precisa fazer o que é tarefa do outro. Correr, se afobar, fazer mil coisas até o outro ficar contente e, você, no bagaço.
Quem tem que ficar satisfeito com a sua bondade é você. VOCÊ, não o outro, porque pro outro, nunca tem bondade que chegue. Então é você que faz a medida. A medida da sua satisfação interior.
Porque o povo vai se pendurando, e o que você faz espontaneamente, no começo, eles começam a achar que é obrigação, que você tem de dar, tem de oferecer, e você entra nessa conversa perigosa, depois tem culpa, se sente em falta com os outros.
Que bondade é essa, meu Deus?!
Essas pessoas incapazes de dizer um não, elas não são boas, não. Elas são inseguras, medrosas, vaidosas:
– Imagine o que o povo vai pensar? O que minha família vai pensar, se eu recusar fazer isso?
Isso é obrigação, minha gente, não é bondade, nem nunca foi.
Faça isso: descubra se você é boa de verdade, ouse você vive só pra agradar os outros, pra ser a lindinha.
Não existe bondade sem escolha.
Ser bom precisa ser uma coisa que está te deixando feliz. Se você está se sentindo forçada, pressionada a ter gestos de bondade, milha filha, eu só tenho a lhe dizer que o caminho não é este. O caminho que Jesus disse que era, não é o caminho da imposição nem da força, mas o da espontaneidade.
A bondade aparente
Todos conhecemos pessoas que estão cercadas de uma auréola de bondade. Têm fama de bons. Parentes e conhecidos costumam referir-se a elas dizendo: “É tão bom!”… Mas, não raro, começam a frase que assim os qualifica com um adjetivo: “Coitado, é tão bom!…”, e acompanham o comentário com um sorriso de condescendência. Logo adivinhamos o que se esconde por trás do adjetivo e do sorriso: uma “bondade” que está unida à falta de firmeza de espírito e de força de caráter. Uma bondade mole e superficial.
Não é que essa “bondade” seja uma “pose” ou uma atitude hipócrita. Não se trata, no caso, de uma pessoa que finja sentir o que não sente. Trata-se de homens ou mulheres que têm bom coração e uma natural inclinação para facilitar a alegria e o bem-estar dos outros. Mas a sua bondade é frágil, inconsistente. Não é autêntica porque se apóia sobre dois pilares falsos: um temperamento complacente e um sentimentalismo brando…
a bonde de todos: Obrigado pelas contribuições!